Vida de atleta

Quando deu por si corria nu pela São Silvestre - a maratona. Estava atrás de um senhor cuja flacidez lhe dava 80 anos ou mais. Pensou que não era o que queria para si, correr pelado atrás de um velho atleta, em público, com transmissão ao vivo pela Rede Globo. Lembrou da família na praia, fazendo a sesta, enquanto aguardavam a grande festa à meia-noite. Podia até ver o cunhado gordo e bêbado se engasgar com sementes de melancia, após ouvir o berro do sobrinho: "Paiiii, olha o tio pelado na TV!"

Olhou para trás e assustou-se com a quantidade de gente atrás de si, mas ao mesmo tempo se sentiu bem por estar bem na prova. A nudez, no entanto, o deixava inseguro. Um homem fantasiado de noiva corria logo atrás dele; ele o reconheceu da TV. Começou, então, a procurar as personagens típicas da São Silvestre. Onde estará o cara de capacete?, perguntava-se.

De repente, após um piscar de olhos, não viu mais ninguém, a não ser as pessoas atrás da cerca de proteção agitando bandeirolas e assoviando. Ainda corria, ainda estava nu, mas agora estava só. Vinte metros na frente um moto carregava um câmera. Um homem lhe ofereceu uma garrafa d'água e ele estranhou o rosto europeu. Caiu em si: estava na Grécia e representava o Brasil nas olímpiadas. Apesar de não usar uniforme, a bandeirinha desenhada à henna no ombro e o tênis Olímpicos não deixavam dúvidas. Agora as pessoas gritavam seu nome: "Osmar! Osmar! Osmar!" E a barriga já não lhe pesava tanto. Avistou a linha de chegada e apertou o passo, já acenava para as pessoas e sorria à câmera quando... MEU DEUS!!!

A vitória de Osmar foi bruscamente impedida por um homem vestido com uma roupa típica da Irlanda que furou a rede de proteção e veio em sua direção, recitando um padre nosso. Um grego gordão, com um touca de papao noel agarrou o homem, utilizando de um mata-leão para imobilizá-lo. Osmar ainda tentou correr, mas era tarde: o homem de noiva e o de capacete já disputavam nariz a nariz a vitória. A voz de Galvão Bueno tentava lhe acalentar, mas aumentava o sofrimento. "Você é um herói brasileiro, Osmar", repetia o narrador. Sentiu pena de si, sentiu-se nu. Estava nu. Chorou.

A voz de um sobrinho o acordou: "Acorda, tio! Vai começar a São Silvestre".

3 comentários:

  1. "A voz de Galvão Bueno tentava lhe acalentar, mas aumentava o sofrimento."

    Isso é conhecido.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito interessante a narrativa, e o final é surpreendente e engraçado.

    www.mastergeminis.com.br

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