Rose, a selvagem

Evandro pedia uma pizza todos os finais de semana. Tinha hábitos saudáveis, mas permitia-se o prazer calabrezzo como forma de compensação. Era a sua política de bem viver: uma corrida valia uma pizza ou similar; uma chegada até os barcos pesqueiros na praia rendia um churrasco, com a cerveja e tudo; já a caipirinha da balada se pagava com a musculação na praça. E Evandro estava contente assim.

Até conhecer Rose.

Foi num jantar com o Paulo, o amigo que casara há pouco mais de um mês (Evandro bebeu todas na festa, mas não comeu ninguém, pois acordou todo vomitado no parquinho da recreativa onde aconteceu a festa.) com Suzana, que Evandro conheceu Rose. Hoje ele sabe que tudo não passou de um plano de Suzana, que manipulou Paulo, o infeliz amigo. Rose era linda. Mas aqui vamos tratar como gostosa mesmo, que foi a primeira observação de Evandro.

O jantar (a armação) aconteceu num sábado. Evandro ainda se acostumava às baladas sem o companheiro Paulo, que também lamentava.

-- Cara, vamo lá em casa hoje, a Su tá preparando um jantarzinho e vai convidar uns amigos. Ela mandou te chamar também. Aliás, você é o único camarada que eu posso convidar...

Paulo era sentimental.

-- Beleza.

Quando chegou percebeu que a única convidada era Rose, a melhor amiga de Suzana. Considerou uma fraqueza de Paulo, que além de se amarrar, queria amarrá-lo também. Nesse momento teve a nítida sensação de que Paulo já havia se arrependido, mas como não podia voltar atrás estava sem chão. Apesar de tudo isso, as curvas de Rose já o haviam hipnotizado.

"Oi..."; "Muito prazer..."; "Me chamo Evandro..."; "Sou personal trainner"; "Gosto de cinema, teatro..."; "Fazia luta livre, mas machuquei o joelho..."; "Rola comigo..."; "Aaaaaaaaaaiii, tigrão!!!"; "Nossa, muito prazeeeer mesmo...".

Passaram o domingo juntos, já que ficaram na cama até alguém ter que levantar para desligar o Faustão. Havia estranhado ter sido chamado de tigrão, mas como não era sempre que tinha uma boa atuação na cama e o ela não voltara a repetir, fingiu esquecer. Estava feliz pela conquista, mas reparou num hábito. Além de não ter comido carne, a gata ainda lamentou não ter saído para correr às cinco da tarde do domingo. Estranho, mas ela disse isso lhe sorrindo, como se estar com ele fosse uma justificativa para tão prazeroso hábito.

Trocaram algumas mensagens na terça e encontraram-se na quinta, foram ao cinema. Ele queria ver "O leitor", porém ela alegou que o filme era legendado e por isso era melhor ver "Transformers 2". Foram para casa e fizeram amor em meio a sexo selvagem. Ele se impressionara com a força de Rose. Lá pelas tantas o fogo era tanto que ela o jogou na parede, segurou suas coxas, o elevando do chão e só não enfiou um pau nele porque não tinha um. Ao perceber isso o jogou na cama, de onde estava, a quase 1,30 metro do colchão. Ele achou aquilo surreal, mas deu-lhe o que ela queria. A mulher era uma máquina, uma selvagem.

Quando viu, Evandro estava namorando. Ela o buscava no trabalho, de moto, e iam malhar na acadêmia onde Rose tinha algumas turmas de luta livre. Jantavam juntos, mas nunca mais do que 700 calorias. Comiam muita fruta e salada, e a cerveja foi substituida pelo suco. De vez em quando jantavam com Paulo e Suzana, que também frequentavam a academia. Suzana ensinava Pilates para fazer uma grana extra. As duas se davam muito bem. Apalpavam-se felizes os músculos de uma e outra, mas no fundo competiam entre si. Não iam a bares, baladas, exceto os eventos da academia. Paulo perdera a barriga que o acompanhara desde os oito anos. Evandro sentia-se forte, erguia mais de duzentos quilos no supino, sempre incentivado por Rose, que lhe motivava aos berros.

Um dia Paulo disse a Evandro:

-- Cara, preciso de uma Brahma.
-- Vamo lá no Joe's.
-- Não posso, a Su não deixa.
-- Para...
-- Juro.
-- Cara, vamos lá! Entra no carro.
-- Vou avisá-la que estou saindo com você, ou ela pode ir atrás de nós.
-- Cala a boca e entra aí. Eu nem lembro quando foi a última vez que tomei uma cerveja.

Evandro e Paulo chegaram no Joe's e se surpreenderam. Rose e Suzana estavam no estacionamento do bar, com cara de quem faziam parte de uma gangue de motoqueiras malhadas.

-- Oi, meu bem. Como vocês chegaram aqui? Vamos tomar uma cerveja?
-- CERVEJA, EVANDRO? VOCÊ ESTÁ ME CONVIDANDO PARA TOMAR UMA CERVEJA!? OLHA A MINHA CARA DE QUEM BEBE CERVEJA, EVANDRO!
-- Calma, meu amor, você pode pedir uma coca...

Evandro está morto. Paulo não sai de casa há anos, onde vive a malhar. Rose e Suzana são proprietárias de uma academia no centro da cidade.

Um comentário:

  1. Fê, vc tá ficando cada vez melhor. Sem puxa-saquismo e "ah-ela-é-amigona-então-é-suspeita". Que inveja. Adorei!
    Beijo

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