O susto

Carlos batera três vezes na porta antes de entrar; no movimento da quarta batida percebeu que estava aberta. De súbito foi tomado por uma sensação de pavor, que subiu pela espinha desde a dobra da bunda até a berola do cabelo na nuca. "Caralho", pensou, "deu alguma merda aqui!" O pavor já virara preocupação com Bea, que tinha mania de trancar tudo, até o intestino, cujo trabalho só fazia ciente da completa solidão. A curiosidade também batera, mas de leve.

Entrou devagar e pensou em chamá-la, mas hesitou e apenas mexeu a boca: Beeeea... O jornal estava sobre a mesa, bagunçado, o que deixava tudo mais estranho, pior, amedrontador. "Bea jamais deixaria o jornal assim, olha que zona". Reparou que a página do horóscopo estava para cima e decidiu ler; a previsão de uma tragédia poderia ser bastante esclarecedora. Por sorte a página esóterica sugeria aos librianos um "clima de romance" que poderia render muito "com um jantarzinho especial ao lado do seu amor". Sorriu ao lembrar que viera jantar mesmo. Dissipada a distração, voltou ao problema: o que aconteceu com Bea?

Namorados há um ano e pouco, viviam uma boa fase no romance. Reataram após uma briga séria decorrente da comemoração exagerada, por parte de Carlos, no primeiro aniversário do relacionamento. Por beber demais, desdenhara do presente. Ficaram sem transar até duas semanas depois de reatarem. Ou seja, apesar de uma rapidinha no final de semana (estamos na quarta, dia de namorar), Carlos ainda estava na seca.

Verificou no único quarto do apartamento e nada. Pela fresta, viu que o banheiro estava com a luz apagada. Não achou a bolsa de Bea, inseparável, e julgou que ela (Bea) devia ter saído, mesmo que numa circunstância muito atípica. Trancou a porta (ela havia lhe deixado usar a chave de emergência novamente) enquanto ligava para o celular da namorada, a cobrar.

Para sua surpresa, ouviu o toque vindo de dentro do apê. Ela atendeu, desligou e ligou em seguida: "Pode voltar, eu já acabei". Ela desligou e abriu a porta e ele, com a maior cara de "nãoentendinada", disse:

"Que aconteceu???"

Ela, com uma cara de alívio de quem teve uma experiência divina, explicou: "Tive a pior cólica intestinal que alguém pode ter no mundo, não havia tempo para trancar a porta. Fiquei quieta porque, você sabe, não suporto cagar com alguém por perto".

Carlos ama Bea.

2 comentários:

  1. Porra Fê, que inveja. Achei que ela tinha se matado ou algo assim hahahaha!

    ResponderExcluir
  2. Hahahaha. Não sei porque, mas vejo algumas referencias de Big Bang Theory nesta história. Ai meu Deus; estou viciada.

    ResponderExcluir