Um belo dia...

Nanda soube que ia morrer em abril. Era dezembro. Como era um belo dia de dezembro, resolveu mudar. Escolheu no cell a trilha sonora e começou a fazer tudo o que queria fazer. Com um bloquinho na mão começou a listar:

trabalhar
comprar um carro
aquele vestido
beijar o Flavinho
passar em Calc 2
tomar um pileque de tequila
conhecer o Uruguai

E por aí vai. Riscou algumas coisas da lista. Trabalhar seria perda de tempo e comprar um carro exigiria muito esforço. Como reprovara em Calc 2 e só faria a matéria no próximo semestre, que acaba depois da sua prevista batida de botas, também abandonou o projeto. Ligou para Cris, a antiga melhor amiga, já que agora não possui uma melhor amiga e isso lhe fazia falta. Combinaram uma balada, aquela que Flavinho frequenta. Comprou o vestido e foram, à batalha.

A noite estava "bombando". Tomou a segunda dose de tequila e comentou com Cris: "Vou lá falar com ele". E completou: "É hoooje!!". Estava evidentemente bêbada. Ou queria pensar que estava. Voltou xingando o mundo. "Quem esse cara pensa que é? Maneeeé! Cuzão!"

Cris ria. Sempre esperou uma atitude depressiva da amiga. "O que aconteceu, o que ele disse?", perguntou, quase no ouvido de Nanda, que respondeu com um beijo. Por essa Cris não esperava. Aliás, nunca pensara na hipótese. Mas era tarde. Curtiu.

Dezembro foi um mês assim. Nanda e Cris curtiram a vida. Nunca mais ficaram, mas pegaram geral nos dias que passaram na praia. Nanda riscou o carro de Flavinho com a seguinte frase: "Flavinho é coisa dos anos 80". Exigia mesmo um esforço de compreensão, mas Cris nunca perguntou.

O reveillon sempre foi a festa mais aguardada por Cris. Para Nanda sempre foi indiferente, mas essa tinha um gostinho especial. Passaram com a família de Cris, já que Nanda não gostava muito da sua. Mesmo nessa ocasião, ela optou por aquilo que julgou alegrá-la mais. A festa havia sido maravilhosa. Lá pelas duas horas, Cris levou uma cerveja para a amiga, que estava sentada no colo de Eduardo. Ela se divertia as custas do estado etílico dele. "Nunca vi você tão feliz", disse Cris à amiga, "e nunca fiquei tão feliz por isso". Deu um beijo no rosto da amiga e saiu em busca de Bruno, que conhecera naquela noite.

Às cinco da manhã, a Polícia ligou para seu celular. Eduardo e Nanda haviam sofrido um acidente grave e ambos estavam mortos. A primeira lágrima correu silenciosa, pensando sobre os últimos e melhores dias da amiga, e seus.

2 comentários:

  1. Depois lembrou-me um filme: A excêntrica família de Antônia. Antônia, Antônia é um bom nome...

    Beijos

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  2. Noossa, muito forte esse conto! Forte e adorável! A vida deve sempre ser aproveitada agora, seja pela morte precoce ou para ter sentido (não viver também é a morte, não!?).
    Gostei muito do blog, estou me deliciando com os contos! ;)

    Beijos, beijos.
    Ana

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