Cotas para o analfabeto

Já escrevi dois artigos para a Revi falando sobre preconceito racial em peças publicitárias vinculadas ao Bom Jesus/Ielusc – a primeira no banner de comemoração aos 80 anos da instituição e a segunda na campanha do vestibular em parceria com a Univille. Em ambas, negros pouco ou nada apareciam e interpretei isso como uma manifestação de preconceito “inconsciente”. Na última semana vi algo que me obrigou a voltar ao tema. Desta vez deixo os publicitários e designers em paz para abordar uma intervenção do público num cartaz do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), localizado no piso superior do bloco C da Associação Bom Jesus/Ielusc. No primeiro plano da fotografia, na camiseta de um jovem negro que sorri, alguém riscou a caneta a seguinte frase: “Ta rindo porque vai passar por cota filho da puta”.

Para começar, percebo que o analfabeto está bravo por achar que vai perder a vaga na faculdade por causa do sistema de cotas e não pela sua incapacidade de construir uma ideia sem assassinar a língua portuguesa. Mas antes de eu propor cotas no vestibular para quem não sabe escrever, vou tentar deixar a discussão mais séria, apresentando os dois pontos principais (a favor e contra) do debate. Ressalto, porém, que essa construção é pessoal, baseada naquilo que li, ouvi e pensei, sem embasamento teórico ou como representante de qualquer entidade. Vamos aos pontos...

Em primeiro lugar, é preciso saber a razão e a proposta da implantação do sistema de cotas. O Brasil, por ter sido um país escravista, tem uma dívida histórica com a população negra. No desenvolvimento do nosso sistema econômico sequestramos, matamos, torturamos, exploramos e humilhamos seres humanos que viviam em seus lares, do outro lado do Atlântico. E quando já não nos serviam mais, os expulsamos de nossas terras, empurrando-os morro acima. O sistema capitalista (esse, sim, injusto) explora para sustentar a elite e explorou principalmente o negro. Agora essa dívida deve ser paga – e com a mesma força que excluímos deveríamos incluir. A proposta das cotas é uma medida paliativa, longe do ideal, mas o mais próximo que chegamos num esforço pela igualdade.

O único argumento coerente (e isso não quer dizer que eu concorde) contrário ao sistema de cotas é o de que somos humanos e não deveríamos nos diferenciar pela raça. A medida acirra a rivalidade racial, dando munição à elite branca e racista. Isso é fato, pois desde o início da discussão do sistema, o que mais vemos é a elite – branca e racista – defendendo a igualdade, principalmente quando os filhos vão buscar vagas nas mais disputadas universidades do país, que são públicas. No entanto, trago a discussão para cá porque muitos de meus colegas – que respeito e sei que não são preconceituosos – também o dizem: “Sim, somos humanos, e apenas humanos!”. Mas o que tenho a dizer é que, como humanos, erramos e acertamos.

Para refutar o argumento contrário, peço ajuda ao jornalista político Leandro Fortes, repórter da Carta Capital e dono do blog Brasília, eu vi. No artigo “Somos racistas”, ele diz: “É preciso dizer que muita gente boa, e de boa fé, acha que cota de negros nas universidades é um equívoco político e uma disfunção de política pública de inserção social. O melhor seria, dizem, que as cotas fossem para pobres de todas as raças. (…) Isso é uma falácia que os de boa fé replicam baseados num raciocínio perigosamente simplista. Na outra ponta, é um discurso adotado por quem tem vergonha de ter o próprio racismo exposto e colocado em discussão.”

Fortes é a base do raciocínio aqui apresentado e a leitura do artigo dele será muito melhor do que a minha, mas a minha contribuição para a discussão é bem localizada e se dá pela provocação do cartaz rabiscado. Enquanto negarmos nossa dívida, seremos iguais ou piores do que o sujeito analfabeto que escreveu aquela pérola da nossa sociedade. É essa a igualdade que buscamos?

3 comentários:

  1. Gostei, gostei muito e gostei mesmo. Sujeitos contemporâneos pertencentes a tal "elite" habitam bolhas.
    A bolha da ignorância, a bolha do desconhecimento e a bolha da inexistência do verdadeiro lugar que habitam.

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  2. Vamos lá

    Excelente artigo. O parabenizo principalmente mais que pela coragem de tocar num ponto tão polêmico, o fato de dedicar-te a escrever um artigo, com tanta coisa na monografia pra gente escrever não é?

    Mas vamos aos pontos.
    Primeiro gosto de deixar claro que sou a favor das cotas, e já bolinar todos os preconceituosos com o tema para que critiquem me ataquem pesoalemente ou virtualmente.

    Segundo. O argumento racial faz sentido se for pensado no caráter biológico, que somos todos humanos e bla bla bla o discurso já conhecido. mas sabemos que há sim raças no sentido social.
    Não há raças quando apelamos para o conceito da igualdade mas há raças quando vemos a inserção do negro na universidade - TRES POR CENTO EM 2002.

    Há raças quando um negro é espancando por estar ao lado de seu carro Ecosport cuidando de seu filho, mas visto como possível assaltante.

    Aliás o pontencial assimilado as raças é assustador. O negro é potencialmente marginalizado.

    Tudo bem que cotas está longe de ser uma medida perfeita. Mas serve pra diminuirmos a desigualdade. Assim como os crasse média de sobrenome estranho rugiram com o bolsa família, continuarão a rugir agora.
    Claro que há gente interessante contrária ao sistema de cotas, mas é importante ressaltar o programa como medida PALIATIVA e emergênmcial.


    beijos xuxu!

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  3. hahahah ignorem os erros de português, que mania de não corrigir o texto!

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