Um americano no meio da turbulência russa

Segure a mão de John Reed e ele te levará a uma incrível viagem à Rússia em 1917, em plena Revolução de Outubro. O escritor estadunidense deixou sua marca na história ao registrar a tomada do poder pelo povo russo, em especial pelo Partido Bolchevique, sob a liderança de Vladimir Ulianov Lenin e Leon Trotsky. Aliás, é Lenin quem assina o prefácio do livro-reportagem, denominado “Dez dias que abalaram o mundo”, no qual aconselha: “Recomendo-o, sem reservas, aos trabalhadores de todos os países. É uma obra que eu gostaria de ver publicada aos milhões de exemplares e traduzidas para todas as línguas, pois traça um quadro exato e extraordinariamente vivo dos acontecimentos que tão grande importância tiveram para a compreensão da Revolução Proletária e da Ditadura do Proletariado.” Após tal declaração, se Reed estivesse interessado em ganhar dinheiro com a publicação, sorriria de orelha a orelha, visto que a palavra de Lenin se tornou sagrada para quase ¼ da população mundial em determinados momentos da história. Reed, porém, comunista como era, narrou tais dias com paixão, sem deixar de lado a objetividade.

Entender a Revolução Russa é coisa complicada. Só para se ter uma ideia, a conhecida Revolução de Outubro, ocorreu em novembro. Isso porque o calendário russo, oficial à época, é diferente do ocidental. Além disso, os muitos personagens e entidades que a protagonizaram e a distância temporal e cultural são fatores que dificultam o entendimento para a atual Geração Y, tão acostumada aos protestos pelo orkut e manifestos revoltosos via blog.

Reed recebeu a informação de que a algo aconteceria na Rússia em setembro, quando recebeu a visita de um professor de sociologia que estava assombrado por verificar, em viagem pela Rússia, que operários e camponeses falavam em tomar fábricas e terras. O país acabara de sair de uma revolução, na qual foi derrubada a monarquia e o país era comandado por um governo provisório. Somada a isso, a participação na Primeira Guerra Mundial gerava uma crise, cuja falta de emprego e comida assolavam o povo soviético. Este, por sua vez, era tido como um dos mais politizados do mundo, altamente influenciado pelas ideias de Marx e Engels. “A Rússia absorvia, livros, manifestos e jornais como a areia suga a água”, comparou o jornalista. Aguardava-se, na Rússia, meses depois da Revolução de Fevereiro (contra o império), a convocação de uma Assembléia Constituinte. Porém, quando o Governo Provisório se coligou com a burguesia, os bolcheviques não puderam mais esperar. Reed estava lá quando isso aconteceu.

Reed narra em primeira pessoa suas conversas, encontros e observações em congressos, debates, pequenas e importantes reuniões. Como um diário, ele conta os importantes fatos da Revolução Russa do momento que acorda até a hora de dormir. “Na quarta-feira, dia 7 de novembro, levantei-me muito tarde. A Fortaleza de Pedro e Paulo dava o tiro do meio-dia quando eu descia pela Avenida Nevsqui. Fazia um frio úmido e irritante. As portas do banco do estado estavam fechadas e guardadas por soldados com baionetas caladas.

'De que lado estão vocês?', perguntei. 'Do governo?'

'Já não há mais governo, Slava Bogou!' (Graças a Deus), respondeu um deles, com um risada.”

É evidente a simpatia de Reed pelo Partido Bolchevique, mas nem por isso o relato se torna a-crítico às ações e às personagens. O jornalista americano procura descrever as discussões das assembleias dando destaque para as discordâncias e contrapontos, como o barulho ininterrupto promovido por alguns grupos para impedir oradores de falar ou como o abandono de recinto em determinadas ocasiões. Considerados fundamentais para a Revolução de Outubro, Lênin e Trotsky aparecem como peças importantes, mas não com tanto destaque quanto o recebido pelo povo por parte de Reed. Em cada capítulo, Reed conta algo importante para entender o que se passava com aquele povo naquele momento. Num dos mais emocionantes, o norte-americano corre o risco de morrer pelas mãos de soldados amigos, desconfiados daquele estrangeiro que transitava com liberdade entre eles. O livro não se limita ao relato detalhados dos dez dias de ações mais contundentes e aborda o contexto histórico de meses antes e depois do fato, explicando o funcionamento de entidades, partidos, organizações e pessoas.

“O mais celébre relato da revolução russa”, nas palavras de Lênin, é uma lição de história, de literatura e de jornalismo, fundamental para conhecer um dos fatos que mudou a história da humanidade. Reed, que se tornou conhecido com a reportagem sobre a insurreição mexicana de Zapata e companheiros, morreu na Rússia, vítima de tifo, anos depois da revolução. Suas cinzas repousam na base do Muro Vermelho do Kremlin, logo atrás do túmulo de Lênin. No prefácio à primeira edição russa, N. Crupscaia, personagem importante da política russa, explica, na última frase, a homenagem: “Quem descreveu os funerais das vítimas da Revolução, como o fez John Reed, merece tal honra”.

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